Disponibilidade
A heurística da disponibilidade consiste em julgar a frequência ou probabilidade de um evento com base na facilidade com que exemplos desse evento vêm à mente.
Um estudo famoso de 1978 realizado por Lichtenstein, Slovic, Fischhoff, Layman e Combs, intitulado Judged Frequency of Lethal Events (Frequência estimada de eventos letais), analisou erros na quantificação da gravidade dos riscos, ou seja, na avaliação de qual de dois perigos ocorria com mais frequência. Os participantes acreditavam que acidentes causavam tantas mortes quanto as doenças e, que o homicídio era mais comum do que o suicídio. Na verdade, as doenças causam cerca de dezesseis vezes mais mortes do que os acidentes, e o suicídio é duas vezes mais comum do que o homicídio.
Uma explicação óbvia para essas crenças distorcidas, é que, é mais provável que as pessoas comentem sobre assassinatos do que sobre suicídios, facilitando que alguém se lembre de ter ouvido falar de um assassinato do que de um suicídio. Acidentes são mais dramáticos do que doenças, o que pode tornar as pessoas mais propensas a se lembrar de um acidente. Em 1979, um estudo subsequente de Combs e Slovic mostrou que julgamentos distorcidos de probabilidade se correlacionavam fortemente (0,85 e 0,89) com frequências distorcidas de reportagens em dois jornais. Isso não esclarece se os assassinatos estão mais disponíveis para a memória porque são mais relatados, ou se os jornais informam mais sobre assassinatos porque eles são mais vívidos (e, portanto, mais lembrados). De qualquer forma, um viés de disponibilidade está em ação.
O relato seletivo é uma das principais fontes de viés de disponibilidade. No ambiente ancestral, muito do que se conhecia era vivenciado diretamente ou ouvido diretamente de um membro da tribo que testemunhou o evento. Normalmente, havia apenas uma camada de relato seletivo entre você e o evento em si. Hoje, com a Internet, é possível ver relatos que passaram pelas mãos de seis blogueiros antes de chegar até você, ou seja, seis filtros sucessivos. Em comparação com nossos ancestrais, vivemos em um mundo maior, onde muito mais acontece e muito menos chega até nós — um efeito de seleção muito mais forte, que pode criar vieses de disponibilidade muito maiores.
Na realidade, é improvável que se conheça Bill Gates pessoalmente. No entanto, graças aos relatos seletivos da mídia, pode-se ficar tentado a comparar o sucesso da própria vida com o dele e sofrer penalidades hedônicas em consequência. A frequência objetiva de Bill Gates é de 0,00000000015, mas se ouve falar dele com muito mais frequência. Por outro lado, 19% do planeta vive com menos de US$ 1 por dia, e é duvidoso que um quinto dos posts de blog que se leem sejam escritos por eles.
Usar a disponibilidade pode gerar um viés de absurdo, pois eventos que nunca aconteceram são esquecidos e, portanto, considerados tendo probabilidade zero. Quando não há histórico recente de inundações (e mesmo assim as probabilidades ainda podem ser razoavelmente calculadas), as pessoas se recusam a comprar seguro contra inundações, mesmo quando o prêmio é fortemente subsidiado e o preço é muito abaixo do valor atuarial justo. Kunreuther e outros sugerem que a reação insuficiente às ameaças de inundação pode ser resultado da “incapacidade das pessoas em conceituar inundações que nunca ocorreram… As pessoas nas planícies de inundação parecem prisioneiras de sua experiência… Inundações recentes parecem estabelecer um limite superior para o tamanho da perda com o qual os gestores acreditam que devem se preocupar”
Burton e outros, relatam que quando barragens e diques são construídos, eles reduzem a frequência das inundações e, assim, criam uma falsa sensação de segurança, levando a precauções reduzidas, enquanto dano médio anual aumenta. Os sábios extrapolarão a partir da memória de pequenos perigos para a possibilidade de grandes perigos. No entanto, a experiência de pequenos perigos parece definir um limite percebido para o risco. Uma sociedade bem protegida contra perigos menores não toma nenhuma ação contra riscos maiores, construindo em áreas sujeitas a inundações uma vez que as inundações menores regulares são eliminadas. Uma sociedade sujeita a perigos menores regulares trata esses perigos menores como um limite superior no tamanho dos riscos, protegendo-se contra pequenas inundações regulares, mas não contra grandes inundações ocasionais.
A memória nem sempre é um bom guia para probabilidades no passado, muito menos no futuro.
1. Sarah Lichtenstein et al., “Judged Frequency of Lethal Events,” Journal of Experimental Psychology: Human Learning and Memory 4, no. 6 (1978): 551–578, doi:10.1037/0278-7393.4.6.551.
2. Barbara Combs and Paul Slovic, “Newspaper Coverage of Causes of Death,” Journalism & Mass Communication Quarterly 56, no. 4 (1979): 837–849, doi:10.1177/107769907905600420.
3. Howard Kunreuther, Robin Hogarth, and Jacqueline Meszaros, “Insurer Ambiguity and Market Failure,” Journal of Risk and Uncertainty 7 (1 1993): 71–87, doi:10.1007/BF01065315.4. Ian Burton, Robert W. Kates, and Gilbert F. White, The Environment as Hazard, 1st ed. (New York: Oxford University Press, 1978).