Acreditamos em tudo o que nos dizem?

Alguns experimentos iniciais sobre ancoragem e ajuste buscaram verificar se distrair os participantes — tornando-os cognitivamente “ocupados” ao pedir que se concentrassem no número “5” em sequências numéricas, por exemplo — reduziria o ajuste e, portanto, aumentaria a influência das âncoras. A maioria desses experimentos parecia confirmar a ideia de que a ocupação cognitiva aumentava a ancoragem e, de forma mais ampla, a contaminação.

Ao examinar os resultados experimentais acumulados — com cada vez mais descobertas de contaminação, agravadas pela ocupação cognitiva — Daniel Gilbert identificou um padrão verdadeiramente surpreendente emergindo: será que acreditamos em tudo o que nos dizem?

Naturalmente, alguém poderia pensar que, ao ouvir uma afirmação, primeiro a compreenderíamos, depois a consideraríamos e, por fim, a aceitaríamos ou rejeitaríamos. Esse modelo aparentemente óbvio do fluxo do processo cognitivo remonta a Descartes. Porém, Spinoza, rival de Descartes, discordava dessa visão. Spinoza sugeriu que primeiro aceitamos passivamente uma afirmação enquanto a compreendemos e, somente depois, ativamente a rejeitamos por consideração.

Nos últimos séculos, os filósofos têm seguido majoritariamente a visão de Descartes, uma vez que sua perspectiva parecia mais lógica e intuitiva. No entanto, Gilbert viu uma maneira de testar experimentalmente as hipóteses de Descartes e Spinoza.

Se Descartes estiver correto, os participantes distraídos devem interferir tanto na aceitação de declarações verdadeiras quanto na rejeição de declarações falsas. Se Spinoza estiver correto, então os participantes distraídos devem lembrar-se de declarações falsas como verdadeiras, mas não devem lembrar-se de declarações verdadeiras como sendo falsas.

Gilbert, Krull e Malone confirmaram esse resultado, demonstrando que, entre os participantes para os quais foram apresentadas a novas declarações rotuladas como VERDADEIRAS ou FALSAS, a distração não teve efeito na identificação de declarações verdadeiras (55% de sucesso nas apresentações contínuas contra 58% nas interrompidas); porém, afetou a identificação de declarações falsas (55% de sucesso nas contínuas contra 35% nas interrompidas) [1].

Uma ilustração ainda mais dramática foi obtida em experimentos subsequentes realizados por Gilbert, Tafarodi e Malone [2]. Os participantes liam em voz alta relatórios de crimes que apareciam em um monitor de vídeo, sendo que a cor do texto indicava se uma determinada declaração era verdadeira ou falsa. Alguns relatórios continham declarações falsas que agravavam a gravidade do crime, enquanto outros continham declarações falsas que atenuavam ou desculpavam o crime. Além disso, alguns participantes também precisavam prestar atenção a sequências de números, procurando pelo número “5”, enquanto liam os relatórios criminais — essa tarefa de distração foi usada para criar ocupação cognitiva. Por fim, os participantes tiveram que recomendar a duração das penas de prisão para cada criminoso, variando de 0 a 20 anos.

Os indivíduos na condição de ocupação cognitiva recomendaram uma média de 11,15 anos de prisão para os criminosos da condição “agravante”, ou seja, criminosos cujos relatórios continham declarações falsas rotuladas que agravavam a severidade do crime. Já para os criminosos cujos relatórios continham declarações falsas rotuladas que atenuavam o crime, os participantes ocupados recomendaram uma média de 5,83 anos de prisão. Essa diferença quase dobrada foi estatisticamente significativa, como se poderia suspeitar.

Os participantes não ocupados leram os mesmos relatórios, com os mesmos rótulos e as mesmas sequências de números aparecendo ocasionalmente, exceto que eles não precisavam procurar pelo número “5”. Portanto, eles puderam dedicar mais atenção às declarações falsas rotuladas como “incrédulas”. Esses participantes não ocupados recomendaram uma média de 7,03 anos de prisão contra 6,03 anos para os criminosos cujos relatórios exacerbavam ou justificavam falsamente.

O artigo de Gilbert, Tafarodi e Malone tinha o título “Você não consegue não acreditar em tudo o que lê”.

Isso sugere, no mínimo, que devemos ter mais cuidado ao nos expor a informações não confiáveis, especialmente quando estamos fazendo outra coisa ao mesmo tempo. Portanto, é importante ter cuidado ao ler aquele jornal no supermercado.

PS: De acordo com um boato não verificado que acabei de inventar, as pessoas serão menos céticas em relação a este ensaio devido às mudanças de cor que distraem.

Referências

[1] Daniel T. Gilbert, Douglas S. Krull, and Patrick S. Malone, “Unbelieving the Unbelievable: Some Problems in the Rejection of False Information,” Journal of Personality and Social Psychology 59 (4 1990): 601–613, doi:10.1037/0022-3514.59.4.601.

[2] Gilbert, Tafarodi, and Malone, “You Can’t Not Believe Everything You Read.”