Se uma vez você contar uma mentira, a verdade se tornará seu inimigo.
Já falei antes sobre a ideia de que, sendo a verdade interligada, as mentiras são contagiosas. Se você pegar uma pedra na entrada da sua garagem e disser a um geólogo que a encontrou em uma praiavocê sabe o que um geólogo sabe sobre rochas? Eu não sei. No entanto, posso suspeitar que uma pedra desgastada pela água não se pareceria com uma gota de lava congelada de uma erupção vulcânica. Você sabe de onde realmente veio a pedra na entrada da sua casa? As coisas carregam marcas de seus lugares em um universo ordenado; dentro dessa teia, uma mentira está fora de lugar. (Na verdade, um geólogo nos comentários menciona que a maioria das pedras nas calçadas são retiradas das praias, então eles não poderiam dizer a diferença entre uma pedra na entrada da garagem e uma pedra na praia, mas poderiam diferenciar entre uma pedra da montanha e um seixo da praia. Caso em questão…)
O que pode parecer uma verdade arbitrária para uma mente — algo que poderia ser facilmente substituído por uma mentira plausível — pode ser sustentado por uma série de conexões aos olhos de um conhecimento mais amplo. Para um criacionista, a ideia de que a vida foi moldada por “design inteligente” em vez de “seleção natural” pode soar como uma preferência pessoal. Já para um biólogo, argumentar plausivelmente que um organismo foi projetado de forma inteligente exigiria mentir sobre quase todos os aspectos desse organismo. Para argumentar plausivelmente que os “humanos” foram projetados de forma inteligente, seria necessário mentir sobre o design da retina humana, a arquitetura do cérebro humano e as proteínas unidas por fracas forças de van der Waals em vez de fortes ligações covalentes…
Ou você poderia simplesmente mentir sobre a teoria da evolução, o qual é o caminho seguido pela maioria dos criacionistas. Em vez de mentir sobre os nós conectados na rede, eles mentem sobre as leis gerais que governam essas conexões.
E para encobrir isso, eles mentem sobre as regras da ciência — como o que significa chamar algo de “teoria” ou o que significa para um cientista dizer que não tem certeza absoluta.
Assim, eles passam de, mentir sobre fatos específicos, para mentir sobre leis gerais, e depois para mentir sobre as regras do raciocínio. Para mentir sobre se os humanos evoluíram, você deve mentir sobre a evolução; e então você tem que mentir sobre as regras científicas que limitam nossa compreensão da evolução.
Mas como poderia ser diferente?
Assim como um ser humano estaria fora do lugar em uma comunidade de formas de vida genuinamente projetadas de forma inteligente, e seria necessário mentir sobre as regras da evolução para fazer isso parecer o oposto, as próprias crenças sobre o criacionismo estão descontextualizadas na ciência.
Essas crenças não seriam encontradas em uma mente bem ordenada, assim como palmeiras não crescem em geleiras. Portanto, seria necessário romper as barreiras que as proibiriam.
O que nos leva ao caso do autoengano.
Uma única mentira que você conta a si mesmo pode parecer bastante plausível quando não se conhece as regras que governam o pensamento, ou sequer se sabe que existem regras; e a escolha parece tão arbitrária quanto escolher um sabor de sorvete, tão isolada quanto uma pedra na praia…
… daí alguém questiona sua crença, usando as regras de raciocínio que aprendeu. Eles perguntam: “Onde estão as suas evidências?”
E você responde: “O quê? Por que eu preciso de evidências?”
Então eles dizem: “Em geral, as crenças exigem evidências.”
Este argumento, claramente, é um soldado lutando do lado inimigo, que você deve derrotar. Então, você diz: “Eu discordo! Nem todas as crenças exigem evidências. Especificamente, crenças sobre dragões não precisam de evidências. Quando se trata de dragões, você pode acreditar no que quiser. Portanto, não preciso de evidências para acreditar que há um dragão na minha garagem.”
E o outro diz: “Ei! Você não pode simplesmente excluir dragões assim. Há uma razão para a regra de que as crenças exigem evidências. Para criar um mapa preciso da cidade, você deve percorrer suas ruas e desenhar linhas no papel que correspondam ao que você vê. Isso não é uma exigência legal arbitrária — se você simplesmente se sentar em sua sala de estar e desenhar linhas aleatórias no papel, o mapa estará errado, com uma probabilidade extremamente alta. Isso se aplica tanto ao mapa ou ao dragão quanto a qualquer outra coisa.”
Então agora, essa explicação do porquê as crenças exigem evidências também é um soldado inimigo. Você diz: “Errado com uma probabilidade extremamente alta? Então ainda há uma chance, certo? Não preciso acreditar se não for uma certeza absoluta.“
Ou talvez você até comece a suspeitar, você mesmo, que “crenças exigem evidências”. Mas isso ameaça uma mentira que você valoriza; então você rejeita o amanhecer interior, empurrando o Sol de volta para baixo do horizonte.
Ou talvez você já tenha ouvido o provérbio “crenças exigem evidências” e achou sábio o suficiente para endossá-lo publicamente. Mas nunca ocorreu a você, até que outra pessoa chamou sua atenção, que esse provérbio poderia se aplicar à sua crença de que há um dragão em sua garagem. Então você pensa rapidamente e diz: “O dragão está em um magistério separado”.
Ter falsas crenças não é nada bom, mas não precisa ser permanentemente incapacitante — se, ao descobrir seu erro, você o superar. O perigo reside em ter uma crença falsa que você acredita que deve ser protegida como uma crença — uma crença na crença, acompanhada ou não de uma crença real.
Uma única Mentira Que Precisa Ser Protegida pode bloquear o progresso de alguém em direção à racionalidade avançada. Não, não é uma diversão inofensiva.
Assim como o próprio mundo é muito mais emaranhado do que parece à superfície, da mesma forma existem regras de raciocínio mais rigorosas, restringindo as crenças mais fortemente, do que os inexperientes suspeitam. O mundo é intrinsecamente entrelaçado, governado por leis gerais, assim como as crenças racionais.
Pense no que seria necessário para negar a evolução ou o heliocentrismo — todas as verdades interconectadas e leis governantes que você não teria permissão para conhecer. Então você pode imaginar como um único ato de autoengano pode bloquear todo o meta-nível da busca pela verdade, uma vez que sua mente começa a se sentir ameaçada ao perceber as conexões. Proibindo todos os níveis intermediários e superiores da Arte do racionalista. Criando, em seu lugar, um vasto complexo de anti-leis, regras anti-pensamento e justificativas gerais para acreditar no que não é verdade.
Steven Kaas disse: “Promover crenças menos que maximamente precisas é um ato de sabotagem. Não faça isso com ninguém, a menos que você também furasse os pneus deles.” Dar a alguém uma crença falsa para proteger — convencê-lo de que a crença em si deve ser defendida de qualquer pensamento que pareça ameaçá-la — bem, você não deve fazer isso com ninguém, a menos que também fizesse uma lobotomia frontal neles.
Uma vez que você conta uma mentira, a verdade se torna sua inimiga; e toda verdade conectada a essa verdade, e todos os aliados da verdade em geral; todos eles você deve combater para proteger a mentira**, seja** você mentindo para os outros ou para si mesmo.
Você tem que negar que as crenças exigem evidências**, e então** você tem que negar que os mapas devem refletir os territórios, e depois você tem que negar que a verdade é algo bom…
Assim, surge o Lado Negro.
Eu me preocupo de que as pessoas não estejam cientes disso ou não estejam suficientemente cautelosas — que enquanto vagamos por nosso mundo humano, podemos esperar encontrar uma epistemologia sistematicamente ruim.
Os memes de “como pensar” que circulam pela internet, os pensamentos armazenados da Sabedoria Profunda — alguns deles são conselhos valiosos elaborados por racionalistas. Mas outras noções foram inventadas para proteger uma mentira ou autoengano: geradas pelo Lado Negro.
“Todo mundo tem direito à sua própria opinião.” Quando você pensa sobre isso, de onde surgiu esse provérbio? É algo que alguém diria no curso de proteger uma verdade, ou no curso de se proteger da verdade? Mas as pessoas não se animam e dizem: “Aha! Sinto a presença do Lado Negro!” Até onde posso perceber, não é amplamente percebido que o Lado Negro está por aí.
Mas como poderia ser diferente? Seja enganando os outros, ou apenas a si mesmo, a Mentira Que Precisa Ser Protegida se espalhará recursivamente pela rede de causalidade empírica, e pela rede de regras empíricas gerais, e pelas próprias regras do raciocínio, e pelo entendimento subjacente a essas regras. Se houver uma boa epistemologia no mundo, e também mentiras ou autoengano que as pessoas estão tentando proteger, então surgirá uma má epistemologia para combater a boa. Dificilmente poderíamos esperar, neste mundo, encontrar o Lado da Luz sem o Lado Negro; há o Sol, e aquilo que se encolhe e gera uma Sombra que o encobre.
Note que essas pessoas não são necessariamente más. A grande maioria dos que repetem a “Sabedoria Profunda”, estão mais enganados do que enganadores, mais autoenganados do que enganadores. Eu acho.
E certamente não é minha intenção fornecer um Contra-argumento Totalmente Geral, de modo que toda vez que alguém lhe oferecer uma epistemologia que você não goste, você diga: “Ah, alguém do Lado Negro inventou isso.” É uma das regras do Lado da Luz que você deve refutar a proposição por si mesma, não acusando seu inventor de más intenções.
Mas o Lado Negro está por aí. O medo é o caminho que leva a ele, e uma traição pode transformá-lo. Nem todos que usam túnicas são Jedi ou impostores; também existem os Lordes Sith, mestres e aprendizes involuntários. Esteja avisado, esteja atento.
Quanto a listar memes comuns gerados pelo Lado Negro — não crenças falsas aleatórias, me entenda bem, mas sim má epistemologia, as Defesas Genéricas do Fracasso — bem, vocês gostariam de tentar, queridos leitores?