Certa vez, durante uma discussão sobre o Caminho, notei como a maioria dos sistemas de crenças organizados tende a evitar a dúvida. Um ouvinte respondeu que os jesuítas deveriam ser imunes a essa crítica, ao praticarem a dúvida organizada: os noviços são instruídos a duvidar do cristianismo, da existência de Deus, da validade de seu chamado e até mesmo de sua capacidade de cumprir os votos perpétuos de castidade e pobreza. Então perguntei: “Bem, eles duvidam para superar essas dúvidas, certo?” E ele respondeu: “Não, eles devem duvidar que suas próprias dúvidas possam crescer e se fortalecer”.
Não consegui confirmar ou refutar essas alegações (se alguém puder ajudar, ficarei muito grato). No entanto, acho esse cenário fascinante e digno de discussão, independentemente de sua veracidade em relação aos jesuítas. Se eles praticassem essa dúvida deliberada, conforme descrito, seriam virtuosos como racionalistas?
Admito que, no cenário (possivelmente hipotético) acima, os jesuítas não seriam adequadamente descritos como “fugindo da dúvida”. Contudo, essa conduta (possivelmente hipotética) ainda me parece altamente suspeita. Para um racionalista verdadeiramente virtuoso, a dúvida não deveria ser assustadora. A conduta descrita parece um programa de dessensibilização para algo extremamente assustador, como expor um aracnofóbico à aranhas sob condições cuidadosamente controladas.
Mas, mesmo assim, eles estão encorajando seus noviços a duvidar, certo? Importa se suas razões são falhas? Isso não seria uma ação digna de um racionalista?
Toda curiosidade busca sua própria aniquilação; não há curiosidade que não deseje uma resposta. Mas quando você obtém uma resposta e satisfaz sua curiosidade, o glorioso mistério deixa de ser misterioso.
Da mesma forma, toda dúvida existe para aniquilar uma crença específica. Se uma dúvida não consegue destruir seu alvo, ela não foi satisfeita — mas ainda é uma resolução, um fim, embora mais triste. Uma dúvida que não se destrói nem destrói seu alvo provavelmente nunca existiu. É a resolução das dúvidas, não apenas o mero ato de duvidar, que impulsiona a catraca da racionalidade.
Toda melhoria é uma mudança, mas nem toda mudança é uma melhoria. Todo racionalista tem dúvidas, mas nem toda dúvida é racional. Vestir-se de dúvidas não faz de você um racionalista, assim como vestir um jaleco branco não faz de você um médico.
Uma dúvida racional surge por uma razão específica — você tem justificativa para suspeitar que a crença está errada. Essa razão implica uma investigação que irá destruir a crença ou destruir a dúvida. Isso também se aplica a dúvidas abstratas, como “Será que há uma hipótese mais simples que explique esses dados?”. Nesse caso, você investiga pensando em hipóteses mais simples. À medida que a busca por respostas não traz resultados, você percebe que é cada vez menos provável que a próxima tentativa seja bem-sucedida. Eventualmente, o custo da pesquisa supera o benefício esperado e você para de procurar. Nesse ponto, não se pode mais afirmar que está duvidando de maneira útil. Uma dúvida não investigada é como se não existisse. Toda dúvida existe para ser destruída, de uma maneira ou de outra. Uma dúvida não resolvida é uma ação nula; não faz a roda girar, nem para frente, nem para trás.
Se você realmente acredita em uma religião (não apenas acredita nela), por que pediria aos noviços que considerem dúvidas que não serão satisfeitas? Seria como pedir aos estudantes de física que duvidem meticulosamente que a revolução do século XX possa ter sido um erro, e que a mecânica newtoniana esteve correta o tempo todo. Se você realmente não duvida de algo, por que fingir que duvida?
Porque todos queremos ser vistos como racionais, e a dúvida é amplamente considerada uma virtude do racionalista. No entanto, não se entende amplamente que você precisa de um motivo específico para duvidar e que uma dúvida não resolvida é uma ação nula. Em vez disso, as pessoas pensam que isso é modéstia, um comportamento submisso, mantendo a hierarquia do status tribal — é quase o mesmo problema da humildade, sobre o qual escrevi anteriormente. Fazer uma exibição pública de dúvida para se convencer de que você é racional é tão vazio quanto usar um jaleco.
Para evitar professar dúvidas, lembre-se:
- Uma dúvida racional existe para destruir a crença alvo e, se não a destruir, ela morre insatisfeita.
- Uma dúvida racional surge por alguma razão específica pela qual a crença pode estar errada.
- Uma dúvida não resolvida é uma ação nula.
- Uma dúvida não investigada pode muito bem não existir.
- Não se deve se orgulhar de meras dúvidas, mas pode-se orgulhar justamente ao despedaçar uma crença acalentada.
- Embora possa exigir coragem para enfrentar suas dúvidas, nunca se esqueça de que, para uma mente ideal, a dúvida não seria assustadora para começo de conversa.